O Feminino e a Expressividade
nas Aulas de Dança Contemporânea
As aulas de dança Contemporânea
que ocorrem no bairro Ponta Grossa, localizado na Zona Sul da cidade de Porto
Alegre – RS estão sendo marcadas por uma forte presença feminina, pois desde o
princípio o grupo é formado por mulheres e em grande parte da terceira idade
com ricas experiências de vida e desejos surpreendentes de autonomia,
autoconhecimento e liberdade.
As atividades de ritmo e
expressão corporal propostas nas aulas de dança trouxeram à tona o que estava
por aflorar nas participantes e estava timidamente escondido em corpos que inicialmente
pouco se movimentavam e silenciavam a voz. Os sequentes encontros semanais
permitem a liberdade para a exposição de idéias através da expressão corporal e
da voz que dão vida às histórias passadas e ao presente de cada participante apontando
novas perspectivas para o futuro.
Este trabalho tem revelado
aspectos importantes da arte para o crescimento pessoal e social. Os debates de
rotina ao concluir as atividades provocam reflexões e desabafos emocionantes em
torno de temas que naturalmente envolvem questões do feminismo, como: padrões
de beleza corporal, trabalho, maternidade, lar, vida conjugal, religião,
escolaridade.
Fica claro que houve e ainda há grande
cobrança em relação a aspectos da beleza corporal na vida destas mulheres,
desde as que possuem mais idade, como é o caso de algumas participantes que tem
oitenta anos de idade, até as mais novas que possuem por volta dos cinquenta
anos de idade. Para muitas a vaidade é algo que pesa nas suas vidas, pois
reflete o que os outros querem enxergar e não o que realmente elas vêem sobre
si.
Uma participante de sessenta e dois anos
contou emocionada que sofria de depressão porque as pessoas que a conhece de
muito tempo no bairro perguntam se ela está bem toda a vez que ela sai de casa,
pois seu corpo físico teve transformações que possui consciência que é devido
ao passar dos anos. Disse que as pessoas não conseguem perceber isto e a fazem
se sentir mal e que com as aulas de dança está encontrando formas de ficar
feliz, de se aceitar e de viver a vida com intensidade.
Outro desabafo foi de uma
participante que desde a infância teve o sonho de usar meia- calça arrastão e
maquiagem, e sempre ser reprimida pelos familiares que a proibiam dizendo que estes
usos eram de mulheres da prostituição. Relatou que agora, quando a arte passou
a integrar sua vida, tendo autonomia, representou um personagem no teatro o
qual usava a tal meia-calça, e como resultado perdeu o medo que tinha de
utilizar o que ela tem vontade no seu cotidiano. Já em relação à maquiagem,
ainda prefere utilizar somente batom, devido a um fato que ocorreu quando
criança que a marcou demais: ela se maquiou e estava muito feliz para mostrar aos
familiares, quando estes a viram disseram que estava horrível e a fizeram
remover do seu rosto.
A grande maioria destas mulheres relatou
ter cursado somente parte do ensino fundamental e agora, quando “etapas da
vida” já foram concluídas, voltaram a estudar. É importante salientar que esta
expressão, “etapas da vida”, foi utilizada no sentido de referir-se às
obrigações que foram expostas no decorrer de suas vidas, como: trabalhar desde
cedo no lar, casar, ter filhos e cuidar da casa. Hoje, fazem o que nunca
fizeram e gostariam de ter feito quando jovens e por isto afirmam estar
frequentando as aulas de dança, já que isto possibilita a aprendizagem de algo desconhecido
e gostoso, sobretudo, para o autoconhecimento e a exposição de seus pensamentos
e idéias, para assim se sentirem mais mulheres.
Este grupo é desafiador e
envolvente. Jogam em questionamento as concepções conservadoras a respeito do
universo feminino e da sociedade em que vivemos. Quanto à terceira idade esta é
a expressão da sabedoria, é um escape para absorvermos novas perspectivas sobre
o humano que teve seus desejos reprimidos manifestados no corpo e na voz.
Ensinar estas pessoas possibilita aprender a viver a vida desde jovem em sua
plenitude com identidade, igualdade e respeito.
Por Marilice Bastos – Oficineira
de Dança Contemporânea
2 comentários:
mas tá bonito esse blog!! parabéns pelas fotos das oficinas e textos dos oficineiros! bjus carina
Que bela experiência... obrigada Marilice por compartilhar estes momentos e assim possibilitar crescermos junto com o teu grupo e contigo. Parabéns a estas mulheres que se buscam... lutam e dançam com a alma. beeijo, Roselaine Funari
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