Pobres daqueles que não sabem que sentem fome. Crescem o olho para alimentar a barriga, mas o que os alimenta é a ignorância. É o espírito, a alma que está vazia.
Nós, oficineiros, estamos propondo uma postura que requer mais trabalho do que aquele para ganhar dinheiro pra sustentar o/a/os/as... enfim, tantas coisas que achamos que precisamos. Aliás, o nosso trabalho não se sustenta, está sempre suspenso. Nossas certezas e cargas vivenciais nos abrem as portas, mas a permanência é uma inconstante, se me permitem esse paradoxo.
Nós, enquanto artistas, sublimamos a desordem, o aprendizado, os fragmentos, o tão afamado processo. Mas nos irritamos quando não nos permitem oferecê-los. Afinal, é tão genuína nossa vontade do fazer artístico, pois nem temos um espetáculo pronto para receber as palmas, mas oferecemos a bandeja do desconhecido. Ninguém mais quer esse tempo. “A gente” que queremos que adentrem nosso trabalho, depois que adentramos suas comunidades com nossas propostas, têm tudo pronto. O prato midiático está sempre pronto e bem colorido, basta sentar no sofá ou na cadeirinha do computador – sejam essas comunidades ou qualquer outra gente que nem se prestaria a enviar sua presença em uma oficina de cultura. “Cultura não traz futuro, minha filha!!!!” (com a licença de parafrasear nossa colega da dança quando teve/tem que enfrentar essa situação). Carentes somos todos. Quanto às filas de degustação, não sei se crescem, pois a marmita midiática está sempre quentinha, sem nem precisar sair de casa!
Nós, oficineiros da desccentralização não temos a pretensão/proposta pedagógica; não salvamos vidas; não formamos artistas. Mas somos mediadores de um mundo às possibilidades de outro. É nosso dever o respeito do direito do outro.
No filme ‘Os dois filhos de Francisco’, há uma cena em que estão os dois irmãos, ainda crianças e nem um pouco famosos, sentados com seus violões, muito desiludidos, em uma rodoviária de um grande centro urbano. Um homem olha pra eles, não sei se se identifica ou não, mas parecem a mesma “gente”, pobre, sem perspectiva, “judiada da vida”, completamente “feios e fora de moda”. Vieram, cada um, de um interior de sabe-se lá de que Brasil. O homem olha pra eles e pergunta, bem rude: “Sabe tocar isso, seu porqueira?”. Diante da afirmativa cansada de um dos meninos, ordena: “Então toca um pouco pra eu ouvir”. As duas crianças tocam e não é difícil imaginar como segue a cena naquela rodoviária imunda e cheia de gente, assim como é difícil imaginar quem não goste de música.
Eles têm fome, mas não sabem de quê.
(Letícia C. Wolf - Literatura)
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